terça-feira, 24 de abril de 2012

CHE


“Se queremos dizer como desejamos que nossos filhos sejam educados, devemos dizer sem vacilação: queremos que se eduquem no espírito de Che! Se queremos um modelo de homem, um modelo de homem que não pertence a este tempo, um modelo de homem que pertence ao futuro, de coração digo que esse modelo, sem uma só mancha em sua conduta, sem uma só mancha em suas atitudes, sem uma só mancha em sua atuação, esse modelo é Che! Se queremos expressar como desejamos que sejam nossos filhos, devemos dizer com todo o coração de veementes revolucionários: queremos que sejam como Che!”.  (Fidel Castro em 18/10/1967 ao anunciar a morte de Che).


Quando garoto me encantei com o barbudo Fidel Castro, uma espécie de macho mais macho que o Leonel Brizola, a quem admirava, mas que não segurava o império norte-americano pelo saco como fazia o cubano. Apenas muito tempo depois soube que Fidel tivera um companheiro importantíssimo, um argentino chamado Ernesto, El Che.

O Che para mim era uma espécie de Rodrigo Cambará real, e com mais conhecimento sobre esse ator da história contemporâneo latino-americano mais se tornava insuportavelmente sobre-humano, admirável e nobre, como apenas os melhores homens o são, e como bem poucos serão. Esqueci Che por anos, pois sua correção me tornava deprimido. Hoje não, apenas sei, num lamento, que ele nunca me escolheria para lutar ao seu lado na Bolívia.

Che morreu em 1967 e desde então é uma referencia a quem vários se dedicam a apagar, como a revista Veja.

Em 1997 foi publicada uma reportagem de Dorrit Harazim sobre o homem que saiu da vida para entrar na história ao esposar valores como amor ao próximo e justiça social, é claro que, como todo rebelde com causa, a custa de fuzil. A jornalista Dorrit pouco entendia de jornalismo, mas sua inquietude curiosa e insatisfação com as coisas prontas levaram Mino Carta a recrutá-la para Veja nos anos 60. Certamente que, trinta anos depois ainda conservava muito da contracultura dos anos rebeldes em si e, então, partiu para Bolívia, caminhou pelas trilhas, pelas quebradas, conversou com as pessoas, levantou documentos, a história, e escreveu a reportagem “O triunfo final de Che”.   

Em 2007 a Veja resolveu “comemorar” a efeméride com “Che: Há quarenta anos morria o homem e nascia a farsa”, dos jornalistas Diogo Schelp e Duda Teixeira, jovens recrutados como trainees pela revista e que para evitarem a fadiga apenas mandaram e-mails a fontes anti-castristas da Flórida. Acabaram repetindo bobagens e levaram esporro do especialista em Che, o ianque Jon Lee Anderson, e, se vingaram do homem com um “você nunca mais será citado nas páginas da Veja”.  Feio para os garotos, mas deve ter agradado ao patrão, que nos anos 90 fazia matérias favoráveis ao MST e outros movimentos sociais, mas que nos anos 2000 criminalizou a todos. 

De qualquer forma, apesar dos bloqueios culturais e institucionais de tratar de temas como latinidade americana, vez ou outra, algum brasileiro se põe a escrever sobre Che, como o jornalista Saulo Gomes no livro “Quem matou Che Guevara – O seu delator estava no Brasil”. 

A história é que o boliviano Juan Alex Aldunati, estudante de Direito, enviado de Che ao Brasil o delatou. Segundo Saulo Gomes, o boliviano havia furtado uma caixa de ferramentas do vizinho, amigo de um escrivão do DOPS, que, se recusou a dar uma dura no boliviano, pois o caso era crime comum e não político, mas, mesmo assim, encaminhou o ladrão a delegacia, e isso o assustou, o levando a dizer que não roubara e sim "expropriara" a caixa com as ferramentas. Assim, diante da palavra “revolucionária”, a polícia quis saber mais e o estudante Aldunati abriu o jogo: Che estava na Bolívia.

Curiosamente, na mesma época passava por Cuiabá um homem alto, pele clara, cabelos escuros, pouco sorriso, voz de comando, com leve sotaque castelhano procurando Carlos Jorge Reiners, o notório comunista pantaneiro que fora preso e torturado pelo Exército. Mas ninguém deu importância aquele estrangeiro que usava um agasalho pesado, e procurava justamente o inimigo do Golpe de 64, talvez por que naquele dia fazia muito frio em Cuiabá, e cuiabano não pensa no frio. O que o homem queria de Reiners, e negou que fosse o Che, eram informações da região, como a “guerrilha de Guiratinga”.

A história de Saulo Gomes, de o delator ser um destemperado boliviano não faz sentido. Che escolhia bem os amigos e muito mais os seus companheiros. A coisa não faz sentido, tanto que e o jornalista nem se detém nela, apenas a usa para sustentar o título do livro porque, de resto, vai até a Bolívia tão somente ouvir o oficial que capturou Che, o general Gary Prado Salmón. O militar boliviano é o que se sabe, um cavalheiro, tanto que tratou bem os prisioneiros, e após ver o cadáver de Che amarrou um lenço em seu maxilar para não deformar seu rosto. Como todo oficial, e cavalheiro, teria se recusado a vil e infame tarefa de executar os prisioneiros por ser “soldado e não carrasco”, cabendo a incumbência ao sargento Mário Terán Salazar. 


Um comentário:

Anônimo disse...

Palmas ao autor! Adorei o blog, dos textos as biografias sem edições passando pelos comentários colaborativos! Virei leitor, pq a vida tá difícil com a Unanimidade Burra! Abraços, W.

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