“Bandido tem mais é que ficar na
cadeia mesmo” respondia em voz baixa Márcio Martins da Costa, o famigerado
“Rambo do Pará”, preso no Carumbé seis meses após invadir o “Garimpo
Trairão”, ao norte de Mato Grosso. Era sua quinta prisão, a segunda pela polícia
de Mato Grosso, e em todas as operações policiais preferia se entregar porque em semanas ou poucos meses era solto pela Justiça ou simplesmente fugia
das prisões para reaparecer no paraense Vale da Esperança.
A região do Vale da Esperança não
teve dono por um longo tempo, mesmo porque índios caiapós nunca foram chegados no progresso do
homem branco, como derrubar a floresta, transformar madeira nobre em tábuas e
queimar o resto, abrindo extensas lavouras ou pastagens. Daí que o governo
resolveu ocupar os 30 milhões de hectares de terras públicas no Pará dando-as a
desbravadores com grossos calos nas mãos e também na cachola, como Léo Heck.
O gaúcho Léo Heck chegou ao Vale
da Esperança pela BR-163, a Rodovia Cuiabá-Santarém, em 1977 com a promessa de posse
de 3.000 hectares, porém, o INCRA lhe deu o título de apenas 180 hectares, em
1987. Enquanto formava sua fazenda, para plantar boi, descobriram ouro em 1988,
e aí resolveu plantar uma cidade chamada “Castelo dos Sonhos” ao centro de oito
garimpos espalhados numa área de 400 mil hectares onde trabalhavam 6.000
garimpeiros.
Segundo Léo Heck, conhecido como “Onça
Branca”, mas dos poucos a dispensar apelido, foram os garimpeiros “Gaguinho” e “Paraibinha”
que descobriram ouro e deram nome ao lugar devido ao refrão da música “Castelo
dos Sonhos”. Os dois garimpeiros originais sumiram, não se sabe se enriqueceram ou morreram. Mas
Léo Heck se tornou o senhor absoluto do seu castelo, um “desbravador a convite
do governo, e nunca desmatador ou grileiro”, e começou a vender os lotes ao
equivalente atual a R$10mil, a cobrar taxas dos garimpeiros, e a estabelecer o
comércio no distrito, distante 885 km da cidade-mãe de Altamira.
Aparentemente Léo não se
intrometia diretamente nos garimpos, mesmo porque a ordem interna dos garimpeiros
era imposta por um consórcio de donos de dragas, onde vez ou outra alguém morria,
valente ou ladrão, mas, para os demais, todos com os bolsos brefados ou vida
ferrada, a rotina seguia na miragem de um dia bamburrarem.
Em 1989 chegou ao Vale da
Esperança o mineiro Márcio Martins da Costa, aos 23 anos, num avião em
sociedade com outro piloto, era tudo o que tinha de patrimônio, US$10mil.
Começou a transportar garimpeiros, ganhou dinheiro, e dizem que era muito amigo
de Léo Heck, até que lhe tentou tomar uma área garimpeira na Justiça, tendo
agradado a juíza com 2 kg de ouro. Perdeu a causa, mas mesmo que tivesse
ganhado, acabaria algemado e arrastado pela rua principal do vilarejo de 235
casas por Léo Heck. Embarcou no pequeno avião e foi para Belém.
Márcio Martins retornou pouco
depois. Irrompeu no “Garimpo Esperança IV” a bordo de um helicóptero disparando
duas submetralhadoras americanas Ingram, que a imprensa apontou como Uzi
israelense, talvez por que pouco antes o Globo Repórter tenha feito uma reportagem
sobre armas vindas do Paraguai, sendo as machines guns Uzi, e as miras à laser,
consideradas o bicho por gente besta como nós que se encantava com qualquer novidade apresentada pela mídia. Assim, apenas portando as armas, abatendo cinco garimpeiros, empilhando seus cadáveres e pulando sobre eles, foi o suficiente para surgir a fama de Márcio,
o “Rambo do Pará”.
O óleo diesel no Vale da
Esperança era revendido ao preço 130% maior que na região, o que lhe rendia 5,5
kg/ouro/mês; A hora de vôo era de 25 gramas/ouro, mas Márcio cobrava
80 gramas; Se no vilarejo de Castelo dos Sonhos um botijão de gás custava o
equivalente a 0,6 grama, na mão do Márcio valiam 3 gramas, o que lhe dava 0,460/ouro/mês;
A mesma lógica comercial para os remédios, como contra a malária, que custavam 0,3
gramas/ouro e eram vendidos pelo dobro. A doença, que acometia metade dos
garimpeiros uma ou duas vezes ao ano, consumiam 10 gramas de ouro a cada
tratamento; Luxos como quatro latinhas de cerveja custavam 1 grama, e uma
garrafa de água mineral 0,20 grama.
Márcio Martins em três anos
amealhou um patrimônio aparente de 17 pequenos aviões, sendo um deles avaliado
em US$600mil, 05 caminhões, 06 postos de combustíveis e outros bens não
contabilizados como milhares de hectares de terras e centenas de quilos de ouro
por que arrecadava por baixo 80 kg de ouro por mês nos seus três garimpos.
Montou uma rede de rádios-amadores na região MT/PA e contava com um grupo
armado de 60 homens que controlavam 2.000 garimpeiros.
No entrevero entre “Onça Branca”
e o “Rambo do Pará”, se lançava mão do chumbo dos guaxebas ou liminares da
justiça, com juízes dando pitaco onde não eram chamados, ou desembargadores
desorientados, talvez por conta de políticos que vez ou outra desciam nos
garimpos e retornavam com presentes em forma de pepitas. A autoridade moral
sempre pendeu para o lado de “Onça Branca”, mas a situação sempre era
inconclusiva.
Então apareceu outro personagem a
disputar no braço, ou bala, o controle dos garimpos, Edson Martins Cardoso, o
“Edson Goiano”, o mais fraco deles, mas que se gabava do seu grupo contar com o
lobbie de um advogado com influência no ministério da Justiça. Pelo sim, pelo
não, Márcio mandou matar Edson quando soube de uma viagem sua para Barra do Garças,
onde se encontraria com um advogado, que acabou morto porque os pistoleiros não
encontraram o alvo principal, e não queriam perder a viagem.
As mortes debitadas a Márcio
Martins começaram em 02/09/1989, quando pulou do helicóptero com as
submetralhadoras, executando cinco homens, e, incontinenti, invadindo “Castelo
dos Sonhos” e fazendo tombar mais quatro. Depois disso, contou-se 300
cadáveres debitados em seu nome até fechar o inventário com os três mortos na invasão do
“Garimpo do Aquino”, em 09/01/1992. Ao final do mês de janeiro de 1992 chegaria
ao fim a crônica do “Rambo do Pará”.
Apesar de andar com armas
penduradas pelo corpo, coturno, calça camuflada e a indefectível fitinha
vermelha na cabeça, para fazer jus a midiática fama de “Rambo”, o jovem Márcio era um
moço urbano, bem educado, de bons relacionamentos e contatos no mundo político e econômico de Belém e São Paulo. Tinha
muitos sócios, as quais a imprensa de tempos em tempos nos apresenta alguns deles, ainda vivos e atuantes, mas
na época os mais conhecidos era o seu irmão Miron Martins da Costa e José
Miguel Villaverde, o “Miguel Argentino”, tido pelo jornalista Lúcio Flávio
Pinto como o verdadeiro chefe.
Outros supostos sócios, como o
piloto João Américo Vieira, e o médico Orlando Mayer, acabaram acusados ( e quinze anos depois absolvidos ) de terem-no ajudado a invadir o “Garimpo Trairão”, em maio de 1991, em Guarantã do Norte,
MT. Mas não conseguiram o controle, apesar da ação espetaculosa e da morte de doze homens. Mesmo assim, a PM
de MT se pôs à caça de Márcio Martins, o capturou, e o trouxe para Cuiabá, de
onde já tinha fugido uma vez. Apesar do sucesso da caçada, eis que a imprensa
cuiabana se pôs a cobrar das autoridades punição da PM porque “na saída, a
título de cobrir despesas, arrecadou por intimidação todo o ouro em poder dos
garimpeiros”. O assunto foi abafado.
Curiosamente, mesmo com o serviço de inteligência reportando
que a logística de fuga de Márcio Martins estava pronta, e que o bando trouxera 15 kg de ouro para Cuiabá, eis que a cúpula da
segurança pública o transferiu para um quartel da PM cujo prédio era mais histórico que
seguro, de onde se acompanhava o som das missas vindo de uma igreja em frente, e, por onde
num domingo se misturou aos fiéis após encontrar a cela aberta e nenhum sentinela no portão.
Acabou amanhecendo no Vale da Esperança.
Mesmo com a má fama, muita gente gostava
do “Rambo do Pará”, misto de pistoleiro, garimpeiro, sádico,
psicopata, assassino por cobiça, ou assassino por farra, como obrigar as vítimas a beber urina, simular felatio na ponta da escopeta
ou entre si mesmos antes de morrerem e a filmar algumas das suas ações, quase todas com cenas de mórbida execução ou vilipendio de cadáveres.
Além do comércio que girava ao
redor do ouro, o grupo começou a trabalhar com cocaína, refinando no Vale da
Esperança o produto vindo de Rondônia e o transportando para o mercado
consumidor paulista. Um dos seus
mecânicos de aviões, Cézar Luís Camargo, relatou que Márcio possuía dois
laboratórios de refino em sociedade com o deputado federal de Rondônia Jabes
Rabelo, que teve o irmão Abidiel preso ao transportar 500 kg de cocaína em São
Paulo, e o assombro, portando uma carteira funcional do Congresso.
O Palácio do Planalto se
inquietava com a "colombialização" de Rondônia, e o sul do Pará estava no mesmo
caminho, como reduto de banditismo, fugitivos, bandos armados, tráfico de drogas e armas,
e o pior, os aviões desciam no garimpo para carregar ouro para gabinetes
refrigerados que detinham o poder, em Belém ou Brasília. O próprio Márcio
reclamava disso, e dizia que as propinas para autoridades estavam pesando no seu
orçamento. Porém, o governador Jaber Barbalho alegava falta de recursos e o
problema era de Brasília.
Ocorreu que durante a campanha
eleitoral para governador de Rondônia, o senador Olavo Pires foi executado por
um dos pistoleiros de Márcio, chamado “Polaquinho”. Aparentemente, o senador
deu um baile no negócio de drogas do outro sócio, o deputado Rabelo, por que a polícia
paulista apreendeu seu avião transportando 50 kg de cocaína, e o combinado
entre eles era de transportar apenas 5 kg. Temendo serem passados prá
trás, acabou que a morte do senador foi tramada numa das fazendas do Vale
da Esperança. O acerto foi presenciado pelo mecânico Cézar, que também apontou
conexão com o governador Barbalho porque quando ministro visitara a sede do
grupo da família Rabelo em Porto Velho.
O governador Barbalho foi cobrado
mais uma vez pelo ministro da Justiça Jarbas Passarinho pela falta de ordem no
Pará. Os garimpeiros, considerados comparativamente camelôs da mineração,
enquanto as mineradoras eram negócios legais e legítimos, estavam corrompendo
autoridades de modo aviltante, e não se sabia o que era boato ou verdade. Até
mesmo o bom nome do xerife Romeu Tuma estava na lama porque supostamente
descumpriu ordem presidencial contida na “operação selva livre”. O boato era de
que 50 Kg de ouro de Roraima deveriam pousar mensalmente em Brasília, caso
contrário todas as pistas seriam bombardeados.
Além disso, o tráfico de drogas
estava usando a mesma logística dos garimpeiros em toda a amazônia brasileira, e com o preço em queda do ouro
faltamente o narcotráfico iria prosperar. Outro problema é que os
garimpeiros excedentes poderiam incorporar as fileiras de uma narco-guerrilha, ou do MST, que se voltava
para a região por conta das terras públicas griladas e dos trabalhadores escravizados
nas fazendas do Pará, Tocantins e Mato Grosso. O “Rambo do Pará” teve uma fazenda expropriada, a Big
Valley, por que mantinha 20 trabalhadores escravos que foram resgatadas
pela PF.
Sem poder evitar a fadiga, o governador Barbalho deu a
ordem, e a PM agiu.
Dois helicópteros circularam a
sede de uma fazenda de Márcio Martins da Costa, que não se importou porque lhe
disseram que o Departamento Nacional de Pesquisa Mineral faria um serviço de
geologia por perto. Mas as máquinas desceram na fazenda e dela pularam uma
dúzia de pés-pretos com uniformes e equipamentos de combate. Os capangas fugiram pelo mato, todos correram, menos Miron,
que foi capturado, e Márcio se escondeu numa das paredes falsas da casa e lá permaneceu por 18 horas bebendo água mineral e
comendo rapadura. A PM vasculhou todos os arredores até escurecer. No dia seguinte, se ouviu o som dos helicópteros decolando e, logo depois, a voz de Miron chamando pelo irmão Márcio.
A porta falsa do esconderijo se abriu e dela
emergiu um rapaz com os membros entorpecidos pela imobilidade de uma noite inteira. Ao virar os olhos pela sala o temível “Rambo do Pará” levou um tiro de fuzil no rosto e enquanto seu
corpo caía outro tiro estourou seu coração, antes de tocar o solo dezenas de
gramas de chumbo acabaram rasgando seu corpo. A PM cumprira a missão. A região sul do Pará estava pacificada.
6 comentários:
Belo post. Pouca gente fala sobre o faroeste que o Pará havia virado nos anos 80 devido ao ouro. Abraço.
sou filho de miron martins e tem muitas mentiras sobre meu tio safado ladrão se chama miguel argentino e jão americo os socio de marcio martins
Miron junior conheci seu tio pessoalmente morei algum tempo no novo progresso passa seu msn pra nos conversar-mos!
eu conheci um homen que já trabalhou para o rambo,seu apelido era ferrerinha.nós era-mos amigos,só que perdemos o contato depois que foi solto da prisão em goiania.
conheço um vivo ate hoje que foi piloto de confiança de marcio martins o unico que marcio tinha confiança de dar seu aviao particular para ser pilotado e voavam sempre juntos era um piloto na epoca muito bom aos garimperos sempre pronto a servir e ajudar o NETO se nao me angano se encontra hoje em uma cidade do interior do mt me parece ser NOSSA SENHORA DO LIVRAMENTO hoje como antes um cara do bem ajuda muitas pessoas la me parece que foi candidato por la
Muito massa! Vc poderia escrever algo sobre a Chacina do garimpo do Abacate?
Valew
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