segunda-feira, 25 de março de 2013

Os bons negócios: terras de alguém chamado ninguém



“Ô grileiro, vamos fazer um trem, ao invés de você ficar com a minha terra, você dá a sua para uma família muito necessitada, aliás, a família já taí no terreiro do seu barraco esperando, então, vou levar você agora mesmo prá estrada de rodagem, e você nunca mais apareça aqui, senão morre, e se achar ruim morre é agora mesmo que fica mais fácil”. O homem de cabelos sarará, magro, pele amarelada, acordou com o cano de um .38 no rosto empunhado pelo Osvaldão, um dos “paulistas” que havia chegado a alguns anos para lavrar a terra e ganhar dinheiro vendendo tecidos na região sul do Pará, ao norte de Mato Grosso, no Araguaia. 

O homem amarelo era um grileiro manhoso e violento que começara a tomar terras na região e mandara um recado para um negrão de voz macia e sorriso largo para abandonar o barraco antes que viesse a comer capim pela raiz.  O que não se sabia era que o “criolo” era o comandante Osvaldão, que contava com quase 60 guerrilheiros integrantes das “forças revolucionárias do Araguaia”. Apesar do azar o homem amarelo tivera sorte em ser apenas um valentão, um bate-pau, um dedo-duro, mancomunado com os poderosos, por que se fosse um capangueiro, jagunço ou pistoleiro o destino teria sido outro, como comer capim pela raiz.

O senso de orientação da justiça dos habitantes do lugar sempre fora cruento por que a paz social era resignadamente aceita como garantida a manus militari, ou pacificada à chumbo.  Por decurso dessa crueza que os pistoleiros, ou capangas, sempre foram vistos na região do Pará, Mato Grosso e Tocantins, como homens de livre iniciativa melhores que a PM, por que quem sentava praça era porque não tinha competência para trabalhar para “os doutor”, ganhar dinheiro com os grandes fazendeiros, que expulsavam ou matavam os pequenos para expandir suas propriedades. Mesmo porque, o dinheiro não estava com a população local.

Nos anos 70 a população local possuía o perfil de migrantes de meia idade maranhenses, analfabetos, extremamente pobres, que chegaram para tocar as terras devolutas, por conta própria ou como empregados braçais ao ganho diário do equivalente a 1 Kg de arroz, ou Cr$18,00, ou 2 Kg de sal, a Cr$20,00, sendo que uma lata de óleo custavam Cr$40,00, ou dois dias de trabalho. Além da derrubada da mata, para plantar um roçado, havia a extração de babaçu, ou a extração de látex dos seringais nativos, que rendiam 1 tonelada ao ano, mas que,  apesar de defumados, eram descontados 100 Kg por serem “pura água”. 

Apesar de tudo, das décadas que passaram, das gerações que surgiram pós “Guerrilha do Araguaia”, as coisas não mudaram muito, e o sabemos porque vez ou outra o Ministério Público do Trabalho continua libertando, ano após ano, centenas de escravos na região, trabalhadores braçais que, acostumados com a crueza da vida, sequer sabiam que eram escravos. Naturalmente que é melhor trabalhar na própria terra que na dos outros. Mas, a concentração das terras em mãos de poucos ainda é tida como coisa natural ainda hoje, sendo a reforma agrária vista com certo temor pela população local.

A conversa de reforma agrária, coisa havida no século XIX nos EUA, porque é necessária ao desenvolvimento do sistema capitalista posto que os pequenos produtores rurais, ao contrário dos lavradores sem terra, desenvolvem a chamada livre iniciativa, a criativa competição e a desejada ambição individual, e, no afã de acumular dinheiro, ou crescer dentro do sistema, irá inundá-lo com comida, barateando o custo de vida dos trabalhadores dos escritórios e fábricas, aumentando a chamada mais-valia de outros, como os industriais. Isso quer dizer que a base do sistema é a propriedade. 

O tema reforma agrária, aliás, fora um dos motivos do Golpe de 64, devido a ser um dos interesses populares colocados como política pública do Governo Jango, e que já fora testado com relativo sucesso pelo governador gaúcho Leonel Brizola. Então, rapidamente os dois políticos defensores do capital nacional foram taxados de comunistas pela mídia brasileira, ou de entreguistas à URSS ou China, e de planejarem transformar o Brasil de dimensão continental numa nova Cuba. Assim, a reforma agrária, que fora base para o capitalismo nos EUA, se tornara coisa de comunista, de quem odeia a Pátria.

A Ditadura Militar, dizendo amar mais o Brasil que os governos democráticos, ao invés de gastar dinheiro com trabalhadores sem terra, elevando-os a condição de pequenos proprietários, preferiu dispor de grandes somas de financiamento público e demais incentivos, como titulação rápida de terras, expulsão de posseiros e índios, a grupos capitalistas como a Brazil Loud Catle Parking com 2 milhões e 900 mil hectares na região de Cáceres, MT, a Companhia Agropecuária Suiá-Missú S/A, com 678 mil hectares em Alto da Boa Vista, MT, ou a Companhia de Desenvolvimento do Araguaia, com 196 mil hectares em Luciara, MT.


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