Alguns dizem que a região de Cuiabá sempre fora afastada do
centro do País, política e culturalmente, dos tempos da corte no Rio de Janeiro
até os anos recentes de Brasília, e, portanto, sendo o distanciamento da dinâmica
dos outros centros o motivo da conservação do respeito religioso e do modo de
falar, com o uso de palavras do português arcaico ou o velho chiado com ares de
castelhano. É claro que modernamente a influência maior é das coisas do eixo
Rio – São Paulo.
Mui provavelmente os jovens torcerão pelo Corinthians, e
times paulistas, e os mais velhos pelo Flamengo, e demais times fluminenses.
Como se sabe, Cuiabá foi ligada ao mundo através do Rio de Janeiro, via
navegação pelo rio Paraguai, bem mais rápida, tranqüila e segura, que os meses
em lombo de burro ou carro de boi até seus fundadores paulistas, em Sorocaba,
ou São Paulo. E depois, era para o Rio que a elite cuiabana mandava seus filhos
estudantes, que voltavam modernosos, com o velho chiado com ares de castelhano
e o amor ao time do Flamego. Aos cuiabanos mais pobres restou algo como
cuiabanês sotaque “vôte-o-que-qué-esse”, as escolas públicas, o Clube Operário
e o time do Mixto. Além do curioso hábito doméstico do beija-mão.
Algumas famílias cuiabanas cultivam o antiqüíssimo hábito nas
suas crianças, e mesmo adultos, de postarem as mãos, como em oração à Nossa
Senhora,para pedirem benção aos mais velhos da casa. Curiosamente, os cuiabanos
duram muito, sendo que seus velhos costumam ultrapassar mais de cem anos, e
seria crime de lesa-respeitabilidade familiar se os pequerruchos também não
postassem suas mãozinhas como em oração pedindo “bença” aos velhinhos, que,
rigorosos alguns, ainda exigem que também lhes beijem as mãos, como mandavam os
antigos padres de batinas pretas, ou mandavam a antiga tradição portuguesa
exercida gostosamente por D. João VI.
Eis que, após o histórico ano de 1808, a envelhecida jovem monarquia portuguesa transplanta para a ávida e inocente Rio de Janeiro a antiga e esquecida tradição medieval do ritual do beija a mão. Segundo o Wikipédia, o rei D. João VI recebia seus súditos, em torno de 150, nobres ou plebeus, ricos ou pobres, cultos ou ignaros, todas as noites, exceto domingos e feriados, para que lhe beijassem a mão no ritual de se ajoelhar, beijar a mão estendida, se dobrar em genuflexão e se retirar pela direita, sendo, é claro, que alguns aproveitavam para solicitar alguma mercê real. A cerimônia também era do agrado do povo, possuindo grande impacto psicológico pois “tinha grande significado simbólico, lembrando o papel paternal e protetor do rei, invocava o respeito pela monarquia a submissão dos súditos”.
Em Cuiabá uma das últimas lembranças do ritual público se dava feericamente com as gentes da região que formavam filas para beijar a mão do Bispo Dom Aquino Correia, uma espécie de pop-star cuiabano dos anos 20 aos 50. É claro, beijar a mão de padres era sinal de respeito à Igreja, e aos homens-santos, imagina a mão de um bispo, e muito mais a de D. Aquino.
Pois não é que, a coisa de setenta anos, e ainda gravada na
memória tupiniquim, um nobre representante da elite brasileira, engenheiro,
escritor, membro da ABL, ex-ministro das relações exteriores, ex-muitas-coisas-públicas,
tendo sido um dos fundadores da UDN, chamado Otávio Mangabeira, se encantou com
a visita ao Congresso Nacional, ainda no Rio de Janeiro, do general Dwight D.
Eisenhower, o comandante do “Dia D”. De tal modo emocionado com o atlético brancão
anglo-saxão que o moreno gorducho deputado federal representante do povo
brasileiro subiu na tribuna para discursar um “general Eisenhower, os
democratas do mundo inteiro, agradecidos, beijam as suas mãos”. E beijou!
Um comentário:
Espero que os hábitos cuiabanos ainda rendam muitos posts. Quando li sobre o hábito de beijar a mão, me lembrei da máfia italiana (especialmente de Marlon Brando). Aparentemente eles também ressuscitaram este antigo hábito medieval esquecido como sinal de respeito. Em ambos os casos, como você disse, um resquício paternalista...
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